sábado, 1 de outubro de 2011



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Naquela noite o outono se fez mais triste como não podia deixar de ser, afinal era a ultima noite que a mais amada das filhas da manhã pernoitaria ao nosso lado. Quando a lua declinasse seus passos deixariam nosso humilde templo e rumariam de volta para seu lar no palácio sagrado de Maruoka onde as aguas do Tojinbo ecoam a melodia dos deuses. Enquanto aos poucos nos reuníamos, o sentimento de vazio, imponente e desgarrador, nos dominava e silenciávamos agoniados. 
Ela entrou no haiden como todas as vezes, seu rosto purificado, cabelos emoldurando o sacro corpo banhado pela seda branca de seu kimono. Como ultimo gesto de sua fidalguia, nos convidou sua companhia. Sentou-se no centro da sala e nos acomodamos ao seu redor, nos presenteou kani fresco das neves e frutilhas frescas e saborosas, enquanto degustávamos encantados, conversamos muito,ela nos falou sobre as coisas esquecidas e aquelas ainda inexistentes, filosofamos sobre a profundidade de tudo e ficamos sérios e pensativos, quando falamos sobre a leveza da vida sorrimos e seu sorriso nos abençoou com a mesma beleza de antanho e quando enfim as estrelas fugiam e quisemos chorar, ela se levantou, subiu o altar, tomou em mãos o sanshin e seus dedos extraíram a melodia dos nossos corações e sua voz harmonizou nossas almas. colocou em seus olhos nossas lagrimas antes de dizes adeus.
Ao finalizar a ultima canção, da noite não restava mais do que o fim de sonho primaveril. Descansou as cordas de palovnia, levantou-se com elegância e garbosa caminhou por entre nós exalando seu perfume carmesim, as portas do templo se abriram, sabíamos que nunca mais a veríamos, abaixamos nossas cabeças irrelutantes ao pranto. Ela nos olhou e antes de partir sussurrou: “ não esmoreçam meus súditos,  sou eu a filha da manhã, ao despontar de cada alvorecer olhem para o oeste, pois  ali estarei ao lado de minha mãe amando-lhes todos os dias, por toda a eternidade.”

Autor: Vonn Frey:  " Dialogos profanos"

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