(...)
Naquela
noite o outono se fez mais triste como não podia deixar de ser,
afinal era a ultima noite que a mais amada das filhas da manhã
pernoitaria ao nosso lado. Quando a lua declinasse seus passos
deixariam nosso humilde templo e rumariam de volta para seu lar no
palácio sagrado de Maruoka onde as aguas do Tojinbo ecoam a melodia dos
deuses. Enquanto aos poucos nos reuníamos, o sentimento de vazio,
imponente e desgarrador, nos dominava e silenciávamos agoniados.
Ela
entrou no haiden como todas as vezes, seu rosto purificado, cabelos
emoldurando o sacro corpo banhado pela seda branca de seu kimono.
Como ultimo gesto de sua fidalguia, nos convidou sua companhia. Sentou-se no centro da sala e nos acomodamos ao seu redor, nos
presenteou kani fresco das neves e frutilhas frescas e saborosas,
enquanto degustávamos encantados, conversamos muito,ela nos falou sobre as coisas
esquecidas e aquelas ainda inexistentes, filosofamos sobre a
profundidade de tudo e ficamos sérios e pensativos, quando falamos
sobre a leveza da vida sorrimos e seu sorriso nos abençoou com a
mesma beleza de antanho e quando enfim as estrelas fugiam e quisemos
chorar, ela se levantou, subiu o altar, tomou em mãos o sanshin e
seus dedos extraíram a melodia dos nossos corações e sua voz
harmonizou nossas almas. colocou em seus olhos nossas lagrimas antes
de dizes adeus.
Ao
finalizar a ultima canção, da noite não restava mais do que o fim
de sonho primaveril. Descansou as cordas de palovnia, levantou-se com elegância
e garbosa caminhou por entre nós exalando seu perfume carmesim, as
portas do templo se abriram, sabíamos que nunca mais a veríamos,
abaixamos nossas cabeças irrelutantes ao pranto. Ela nos olhou e
antes de partir sussurrou: “ não esmoreçam meus súditos, sou eu
a filha da manhã, ao despontar de cada alvorecer olhem para o oeste, pois ali
estarei ao lado de minha mãe amando-lhes todos os dias, por toda a eternidade.”
Autor: Vonn Frey: " Dialogos profanos"
Nenhum comentário:
Postar um comentário